Uma carta enviada pelo então embaixador
britânico no Brasil, David Hunt, ao Foreign Office, o Ministério das Relações
Exteriores britânico, em 1972, comprova que o Reino Unido colaborou com o
sistema repressivo da ditadura militar (1964-1985), e que a diplomacia do país
sabia dessa colaboração.
O documento secreto, encontrado nos arquivos
da diplomacia inglesa, é uma das principais evidências citadas por um livro
recém-lançado que revela a conivência e ajuda britânicas com o regime militar.
Em "Segredos de Estado: O Governo Britânico e a Tortura no Brasil
(1969-1976)" (Ed. Prismas), o pesquisador João Roberto Martins Filho,
professor da UFSCar, analisa a ainda pouco explorada relação dos governos
europeus com a ditadura.
"Até aqui, havia relatos de empréstimo
de técnicas britânicas de interrogatório ao Brasil, mas não havia nada
detalhando o que aconteceu. Ninguém usava a palavra tortura, claro, mas a
pesquisa prova que houve colaboração britânica com a tortura no Brasil",
explicou Martins Filho.
Segundo ele, métodos de tortura psicológica
como obrigar os detidos a permanecer em pé contra a parede com os braços
estendidos, a privação de sono, uso de ruído contínuo e monótono, além da
geladeira (uma cela com temperaturas baixíssimas), foram usados em presos
políticos no Brasil por influência britânica.
O estudo, realizado durante passagem de
Martins Filho pelo King's College de Londres, avaliou documentos liberados recentemente
e outros adquiridos por meio da lei de acesso à informação do Reino Unido, além
de depoimentos de presos torturados no Brasil e na Irlanda do Norte. Ele traça
uma minuciosa cronologia do uso de técnicas de interrogatório britânicas, as
chamadas "cinco técnicas do Ulster", no Brasil por pelo menos seis
anos desde o início de 1971. O nome é uma referência à tortura usada pelos
britânicos contra presos da Irlanda do Norte.
Apesar da revelação documental da colaboração
britânica e de a informação ter chegado ao Foreign Office, Martins Filho diz
acreditar que o empréstimo de técnicas de tortura ocorreu sem o conhecimento
dos primeiros-ministros da época.
Para o autor, o Reino Unido foi conivente
porque viu a oportunidade de melhorar as relações comerciais com o Brasil
–especialmente a venda de fragatas, helicópteros e mísseis ao país.
Segundo o pesquisador, o que houve foi uma
colaboração "subterrânea. Uma ação supersecreta de grupos militares que
agem à revelia do governo até hoje, como se viu no Iraque. É um conhecimento de
técnicas de tortura que não é documentado, mas passado por tradição oral",
explicou o autor.
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