Tanto as doenças cardiovasculares como o diabetes são
problemas considerados hoje como epidemias mundiais. São também duas das
principais causas mundiais em taxas de mortalidade e morbidade, segundo dados
da Federação Internacional de Diabetes. Quando essas duas causas estão
associadas, o problema se potencializa. Pessoas com diabetes encontram nas
doenças cardiovasculares, como infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVC),
as principais causas de morte.
Com o envelhecimento da população e mudanças no estilo
de vida, vem também a premência de colocar em pauta o crescimento de várias
doenças crônicas, sendo que o diabetes e as doenças cardiovasculares são duas
das que causam maior impacto na sociedade. É fundamental entender como é
possível prevenir as doenças, mas uma vez instaladas, precisa-se debater como
trata-las adequadamente.
Estima-se que até 80% dos pacientes com diabetes
tipo 2 morrem em decorrência de problemas cardiovasculares.2Para se ter uma
noção do quanto isso representa, a doença cardiovascular na pessoa com diabetes
mata mais que HIV, tuberculose e câncer de mama na população mundial. Em
pacientes idosos, com idades entre 51 e 69 anos de idade, a prevalência de
doenças coronárias é de cerca de 32%.
Hoje, no Brasil, cerca de 75% da população depende
do Sistema Único de Saúde (SUS) para assistência médico-hospitalar. Ou seja,
três quartos dos brasileiros precisam cuidar do diabetes e o risco de doenças
cardiovasculares no âmbito da saúde pública. Por isso, discutir como esse
tratamento está acontecendo é fundamental.
Desde 2011, o SUS conta com uma comissão especial
altamente qualificada para assistir no processo de incorporação de novas
tecnologias para o sistema público de saúde. A Conitec (Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no SUS) é uma instância que conta com
representantes do Ministério da Saúde e sociedade civil, que avalia a inclusão
de novas terapias e procedimentos dentro do sistema público.
A avaliação de
tecnologia em saúde da Conitec avalia vários quesitos antes de tomar sua
decisão, como eficiência e custo, além de analisar o impacto da doença na
população e nos cofres públicos. São contemplados quantos pacientes necessitam
hoje do tratamento, se há opções terapêuticas equivalentes e por quanto tempo a
terapia seria necessária.
E é nesse ponto que as doenças crônicas pesam mais
no cofre público. Não há uma data final, uma linha de chegada, quando estamos
lidando com uma doença crônica. O paciente terá que receber tratamento para o
resto da sua vida. Sem dúvida isso onera os cofres públicos, mas não tratar
pode ter um impacto muito maior.
Atualmente, os gastos
com o tratamento das doenças cardiovasculares em pessoas com diabetes chegam a
42% do total do financiamento. Cerca de 39% desses custos são para tratar
infartos e, 23%, para acidentes vasculares cerebrais, conhecidos também como
derrames. Em média, os gastos com pessoas com diabetes são o dobro do que para
cuidar de pessoas sem a doença.
Investir em tratamentos que podem ajudar a reduzir
o risco de complicações e procedimentos de alta complexidade em pessoas com
diabetes é mais do que um ato de prevenção. É também uma gestão mais eficiente
dos recursos públicos. Em matéria "Um País que Sofre com
Enfermidades", publicada no Correio Braziliense na edição do dia26 de
agosto, pesquisa do Banco Mundial aponta para a ineficiência dos gastos
públicos na saúde no Brasil. Segundo a reportagem, seria possível o país
prestar o mesmo nível de serviço com 34% menos recursos empregados. É hora de
gerir com sabedoria e aplicar os recursos de forma eficiente.
No fim de agosto, a
Conitec abriu uma consulta pública para recolher contribuições sobre a
incorporação de um medicamento chamado empagliflozina para reduzir o risco de
doenças cardiovasculares em pacientes idosos com diabetes. A Conitec publicou
parecer contrário à incorporação do tratamento.
Como representante de uma sociedade médica, entendo
ser fundamental chamar a atenção para o fato de que é possível prevenir doenças
cardiovasculares em pacientes com diabetes, e que isso não só reduziria a
mortalidade, mas também o impacto econômico.Segundo pesquisa feita pela
King'sCollege, na Inglaterra, em parceria com a Universidade de Gottingen
(Alemanha), em 2015, os gastos do Brasil com diabetes foram de US$ 57,7 bilhões,
ou mais de R$ 228 bilhões.
Estima-se que, até 2030, essas despesas subirão
para US$ 97 bilhões, podendo chegar a US$ 123 bilhões, ou R$ 492 bilhões.6 É
preciso começar hoje a reduzir o risco da doença cardiovascular em pessoas com
diabetes, não só para garantir a sobrevivência desses pacientes, mas para
evitar no futuro gastos públicos com enfermidades que poderiam ter sido
evitadas no passado.
Hermelinda Pedrosa é
endocronologista e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes
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