A seis dias do Natal, o ministro Marco
Aurélio Mello inaugurou o Carnaval fora de época do Supremo Tribunal Federal.
Em decisão individual, o ministro mandou soltar todos os presos condenados em
segunda instância. Fez isso numa decisão liminar expedida às vésperas do início
do recesso do Judiciário. Com a velocidade de um raio, a defesa de Lula
requereu em Curitiba a libertação do seu cliente.
O rompante de Marco Aurélio expõe na avenida
um desfile caótico que tumultua internamente o funcionamento do Supremo há
tempos. Dividida, a Suprema Corte não sabe como reagir à demanda do país por
limpeza. Na aparência, o tribunal aderiu ao esforço de combate à impunidade. Mas
suas alas desfilam em sentido contrário e cada ministro entoa um samba
diferente.
Pior: tumultuam o desfile do Supremo os
passistas investigados, denunciados e condenados. Esses passistas se esforçam
para assumir o controle da bateria. Decisões como a de Marco Aurélio insinuam
que eles por vezes conseguem ditar a cadência do Judiciário.
No momento, a jurisprudência dominante no
Supremo estabelece que é válida a prisão após condenação em segunda instância.
Essa decisão foi confirmada quatro vezes em plenário num intervalo de dois
anos. Marco Aurélio discorda. Votou contra. Entretanto, se o Supremo tomou uma
decisão colegiada em sentido A, seus ministros deveriam aplicar essa jurisprudência
A. Mesmo que preferiram a posição B.
Há dois dias, o presidente do Supremo, Dias
Toffoli marcou para abril o julgamento de ações que contestam a regra da prisão
em segundo grau. Marco Aurélio é o relator. Guerreava desde o ano passado para
que o julgamento fosse pautado. Perdeu. E achou que seria uma boa ideia
atravessar um samba novo por cima da decisão do plenário.
Entre as razões individuais e as razões
institucionais, Marco Aurélio optou pelas motivações particulares. Foi como se
o ministro informasse ao país que ele sozinho é o próprio Supremo. Anotou no
despacho monocrático que está pronto para submeter sua liminar ao plenário. Mas
absteve-se de fazê-lo na sessão desta quarta-feira, a última antes do recesso.
O bom senso indica que indica que um ministro
do Supremo não deveria, como normal geral, mudar a jurisprudência da Corte numa
canetada individual. Marco Aurélio mudou. Quando um magistrado perde para a
maioria, não deveria ficar magoado. Ao decidir com base no voto perdedor, Marco
Aurélio parece agir movido pela mágoa.
Uma decisão colegiada do Supremo deveria
valer também para os seus ministros, não apenas para os juízes de instâncias
inferiores. Ao dar de ombros para o colegiado, Marco Aurélio sinaliza para os
juízes de instâncias inferiores que a carnavalização é permitida.
A procuradora-geral da República, Raquel
Dodge, já prepara um recurso contra a decisão de Marco Aurélio. A peça vai à
mesa do presidente do Supremo, Dias Toffoli. Como o tribunal já vive em clima
de recesso, caberá a Toffoli, como chefe do plantão, decidir sozinho se o
despacho do colega vale ou deve ser desconsiderado.
O barulhinho que se ouve ao fundo é o ruído
dos presos celebrando a expectativa de expedição dos alvarás de soltura:
"Skindô, skindô…".
Josias de Souza é jornalista
Blog do Josias - Folha\UOL
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