1. Organizar metas para o ano seguinte.
Sim, se a vida fosse simples. Se a vida fosse linear e previsível, seria mais
fácil elencar prioridades em uma lista com dez itens. Desisto no nono. Tudo que
envolva hoje o cálculo das probabilidades me causa crises de riso. Dois mil e
dezenove chegará em branco, cheque sem viso, carta sem destinatário, por mais
que você seja bom de escrita e cheque a todo instante a caixa de mensagens.
2. É possível afirmar a
própria insanidade. E não há quem nos autorize ou desautorize, pois os
parâmetros da loucura, assim como os da literatura, são sempre os de certo
cânone. Todas as digressões sobre perfeição são tão risíveis quanto imaginar
que a felicidade esteja em viver para sempre, a menos que se leve consigo toda
gente que amamos. Impossível criar uma tribo de invencíveis, poetas então..
impossíveis.
3. Poetas vivem sempre às portas de cidades
invisíveis. Conheço ao menos três belíssimos poemas sobre Penélope e sua longa
espera por Ulisses. Há outros três que são incríveis sobre a bíblica Mulher de
Lot. A cada minuto, apresentam-me traduções de alguma poeta maravilhosa que eu
desconhecia. A cada segundo, eu descubro por mim mesma um verso escondido no que
já lia.
4. Aprender algo novo. Ah, tá. Sobre quem somos? Conhecendo e
convivendo com escritores, corrigimos nosso senso de autocrítica. Boa parte não
percebe que ter um nome difere da simples posse sobre aquilo que se escreve.
Leia meus lábios, pede a esfinge que sobrevoa nosso ego com seu drone. Seria
cômico se não fosse trágico imaginarmos modos de eternizar o pensamento em
hieróglifos.
5. Criar do zero um poema, um conto. Ah, mas como? Se faz escuro
onde há canto, o que pode um simples canto contra as dores do mundo. Poema
nenhum será possível se não for um eco do que é humano. Livro nenhum terá
sentido. Autor algum será lembrado tão somente por embalar em capa dura, verso
a verso, parágrafo a parágrafo, tratados sobre o próprio umbigo. Se faz mar onde
há rio, o que pode um simples rio contra a força de Oceanos. Não me pergunte,
ok? Não respondo.
6. Consultar o I Ching. Checar os danos. Desde que se tenha em
mente o respeito ao mestre que responde no oráculo. O hexagrama 10 nos ensina a
lidar com o tigre, esse animal implacável quando faminto. Tudo se resume a
movimentar-se com cuidado em torno do que é caça selvagem, nos outros e em nós
mesmos, naquilo que não vimos, no que não vemos, naquilo que pede de nós certa
coragem de assumir os riscos.
7. Sair sem rumo. Já reparou como estar exaustos nos faz querer
assobiar uma música? É como se o nosso cérebro enviasse ao corpo um comando. Há
uma cena da versão americana de um filme francês, “Cousins’, na qual um casal
passeia pela primeira vez lado a lado. E, em certo momento, a personagem
interpretada por Isabella Rossellini assobia “The long and winding road”.
8. “The long and winding road” pode ser lido como a versão
romântica do mito de Sísifo. O amor como metáfora. Empurrar a pesada pedra até
o alto da montanha só para ver que ela não se sustenta e, mal alcança o topo,
volta inexoravelmente ao mesmo ponto. E então outra e outra vez, o mesmo
movimento. A longa e tortuosa estrada de que fala o título. O oitavo item é
rever “Mulholland Drive” até ficar exausto.
9. Sonhamos acordados quando estamos exaustos. Com o descanso
merecido, com a hora mansa, com a sombra que se alonga sob a árvore, com o
barco que atravessa lentamente a tarde azul da bossa antiga. A maior inveja que
sinto nessa vida é de quem dorme de repente no desconforto do ônibus, entre
desconhecidos, e acorda num bairro distante em sobressalto. Quanta confiança,
meu Deus, quanto abandono.
Kátia Borges
katiamacces@gmail.com
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